Artigo publicado na Revista CREFITO 1 edição n º 5 - nov/dez de 2004, de autoria da Fisioterapeuta Marli Costa, na época Presidente do Conselho Editorial da revista. Decorrida uma década o artigo permanece atual em seus conceitos e propostas para a categoria profissional dos Fisioterapeutas.
Leia abaixo o texto completo:
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Fisioterapeuta: legitimar o poder e manter o compromisso
Por Marli Costa, Fisioterapeuta, Educadora e Comunicadora Social
A Fisioterapia tem demonstrado à sociedade brasileira seu compromisso como ciência, como processo terapêutico e como profissão, por ser detentora de autoridade científica comprovada pelos relevantes serviços fisioterapêuticos prestados à população.
Sua intervenção, como processo terapêutico, produz benefícios à condição física dos indivíduos, trazendo em seu bojo, um novo comportamento emocional graças à melhoria do seu estado de saúde. Além disso, passa a existir uma adaptação à sua condição pós-doença, deixando de ser, muitas vezes, um dependente físico, emocional, laboral e social com rebatimento favorável para cuidadores e familiares.
A ação fisioterapêutica não representa, apenas, uma terapia física com resultados satisfatórios para o indivíduo assistido e, nem tampouco, ter conseguido afirmação social da profissão. Ela vai além da questão saúde/doença. Comprovadamente, traz resultados a curto e a médio prazo, via atendimento público ou privado, traduzidos como contribuição econômica ao País. Sua intervenção faz com que o indivíduo reabilitado volte à atividade profissional sem prejuízo para as empresas como também não fica às expensas da Previdência Social, porque o benefício representa alto custo para os cofres públicos.
Apesar dos diversos benefícios pela Fisioterapia aos indivíduos, com extensão aos seus familiares, às instituições e à sociedade, falta ao Fisioterapeuta aquilo que a sociedade está a exigir: o reconhecimento de sua autonomia e a legitimação do seu poder, condições que vão além do espaço conquistado como profissional da saúde e como prestador de serviços à sociedade.
Entendemos que a legitimação do poder do Fisioterapeuta não ocorre a curto prazo, já que é um processo político e vem sendo construida a partir da excelência da praxis fisioterapêutica, com bases éticas e amparada por legislação adequada. Entendemos também, que a legitimação representa, antes de tudo, o reconhecimento de sua autonomia profissional, significando dizer que passa pela sua condição de ser humano, ético e livre, possuir liberdade em suas ações de cidadão e de profissional; ser detentor do conhecimento científico e tecnológico que o habilite ao exercício de sua profissão; ser amparada por uma legislação específica e atual; possuir conhecimento além da Fisioterapia que o credencie a exercer quaisquer cargos diferentes daquele para o qual foi formado; manter-se atento como membro da equipe multiprofissional.
É preciso, também, procurar conhecer a dinâmica da vida e seus diversos aspectos na sociedade em que se vive; procurar ser um conhecedor profundo das razões que levam o indivíduo a adquirir doenças, condição inerente ao profissional de saúde e base fundamental para compreender e respeitar seus pacientes; trabalhar em condições adequadas em respeito a si e ao indivíduo assistido; ser capaz, como categoria, de ousar propor aos poderes constituídos políticas públicas que deem a importância merecida à Fisioterapia e ao Fisioterapeuta; e traga, como consequência, credibilidade e empregos.
É importante procurar se desvincular das profissões assemelhadas através da praxis profissional competente e, a partir daí, empreender uma luta política que objetive obter ganhos que rebatam, favoravelmente, nas condições de trabalho e realização profissional; e preparar-se politicamente para eleger bem seus líderes, além de cobrar-lhes o cumprimento da legislação pertinente; participar, ativamente, da vida das suas instituições representativas, e, especialmente, sair da sua condição de profissional "eu sozinho" e passar a agir de forma mais coletiva, buscando possuir "espírito de corpo"; ter uma consciência crítica como categoria, já que sua profissão há muito se tornou um instrumento imprescindível à construção de uma saúde social justa, igualitária, humanizada, faltando apenas, maior preparo político dos seus agentes. Enfim, procurar ser um Fisioterapeuta-Cidadão, membro de uma categoria autônoma e que venha a atender aos reclamos/necessidades sociais da população.
Isso implica dizer que será necessária uma mudança urgente de atitudes pessoais e profissionais para fazer valer seus direitos junto às entidades formadoras e órgãos representativos, inclusive exigir que sejam postos em prática princípios éticos, regimentares e disciplinadores, conforme os ditames da lei, no cenário político, socioeconômico e cultural em que vive o Brasil, rebatendo, diretamente, na condição de vida da população.
Tudo isso ocorre em uma sociedade caracterizada pelos desmandos políticos e administrativo-gerenciais dos seus dirigentes e a ausência da população que age de forma despreparada, portanto, passiva. Essa situação afeta, diretamente, as condições de saúde da população, e a presença do Fisioterapeuta e de profissionais assemelhados passa a ser uma exigência em todos os níveis de atenção à saúde da população. Muitos desses indivíduos apresentam suas insatisfações e frustrações através da ocorrência e/ou exacerbação de suas dores e incômodos corporais, nem sempre justificadas do ponto de vista médico, ou do aparecimento de "doenças" ou debilidades físicas, muitas com limitações físico-emocionais ou apenas físicas; depressões; atitudes agressivas; isolamento; egocentrismo exagerado; desmotivação; além da própria omissão da sua condição de cidadão.
O Fisioterapeuta não deve ignorar essa realidade.Ele deve fazer uma autoanálise a partir de questionamentos. Qual o seu papel como componente da estrutura de poder da Fisioterapia? Qual a sua responsabilidade como co-participante do processo de transformação social? Onde estão os legítimos representantes da Fisioterapia, tão bem preparados cientificamente, entretanto, despreparados para assumir a condição de agentes de mudança e de transformação? Por que o Fisioterapeuta não assume a sua importância como agente econômico no País? Por que não enveredar pelos caminhos da exigência em compor as políticas públicas, as políticas de saúde? Por que se elegem representantes, delegando-lhes atribuição sem sequer cobrar-lhes solução das questões inerentes à categoria? Por que não se busca produzir além do saber científico, saberes político, cultural e econômico? Por que não assumir o papel e o poder político-ideológico que lhe cabe? Por que os Fisioterapeutas se fragilizam nas mãos da classe dominante que quer transformar a Fisioterapia em mais uma área mercantilista da saúde?
Concluindo: é tempo de o Fisioterapeuta saber melhor o que é Fisioterapia. É tempo de o Fisioterapeuta exercer a Fisioterapia dos sonhos e demandas da população. É tempo de o Fisioterapeuta ser profissional da saúde, e não apenas da doença. É tempo de o Fisioterapeuta ousar ser Fisioterapeuta em sua plenitude.
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