Herdeiros de Esculápio - (Parte III - final)
O século XX traz consigo a
força propulsora para os avanços da ciência. E, aí sim, após a Segunda Guerra
Mundial (1939 – 1945), a Fisioterapia cresce, busca ser independente como
ciência, processo terapêutico e profissão, cristalizando-se como atividade plena
na área da saúde. No Brasil, em meados dos anos 50, com a criação dos serviços
de Fisioterapia, ainda sem Fisioterapeutas e, nos anos seguintes com a
implantação dos cursos regulares em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, tivemos a
escalada dos congressos, o intercâmbio com universidades estrangeiras, a
ascensão na carreia universitária com os mestrados e doutorados, bem como a
expansão das clínicas e dos consultórios. Índices altíssimos de procura para
inscrições nos exames vestibulares foram atingidos. Tal crescimento despertou o
interesse na abertura de novos cursos; alguns deles sem a necessária
qualificação, o que provocou na sociedade uma reação de desconfiança quanto ao
tipo de profissional que desse modo seria jogado no mercado de trabalho. Em se
tratando de cuidar da saúde das pessoas, não seria possível, jamais, permitir a
presença de profissionais com formação duvidosa no mercado. Todavia, ainda é
cedo para uma avaliação do impacto nocivo dessa superabundância de cursos e de
novos profissionais, na saúde da população. Este é o retrato de uma situação no
mínimo preocupante, que levou a categoria a cobrar um posicionamento das
autoridades educacionais e do Conselho Federal de Fisioterapia e de Terapia
Ocupacional.
Feita esta digressão, e para que se
tenha um melhor entendimento de como a Fisioterapia evoluiu profissionalmente,
saindo da noite dos tempos para a contemporaneidade, transcreve-se aqui trechos
da carta enviada à Dra. Sônia Gusman então presidente do Conselho Federal de
Fisioterapia e Terapia Ocupacional, em 21 de maio de 1980 pela Secretária-geral
da World Confederation for Physical Therapy, a Fisioterapeuta E.M.McKay;
conforme foi publicada no Jornal da Associação Paulista de Fisioterapeutas –
APF, em sua edição de maio/junho de 1980 – Ano 10, página 3, respeitada a
grafia original:
“Muitos fisioterapeutas estão agora trabalhando no cargo da
Prevenção, onde procedem à avaliação sem necessidade de a pessoa sendo tratada
ter antes consultado um médico registrado. Consequentemente o Código de Ética
da Confederação foi alterado na última Assembléia Geral e não inclui mais a
exigência de que fisioterapeutas somente tratem de pacientes encaminhados por
médicos [...]”.
Prossegue
a missivista:
“Como no Brasil, a Inglaterra tem um
Conselho para o registro de fisioterapeutas entre outras. Sua denominação
completa é 'Conselho para as Profissões Suplementares à Medicina’, e cobre não
apenas fisioterapeutas, mas outras profissões, incluindo terapeutas
ocupacionais. A denominação foi estabelecida após muita discussão e
consideração, e é resultado de cuidadosa escolha de palavras para descrever
exatamente o alcance do Conselho. Não é, portanto, por acaso que ela se refere
a profissão e ao fato de elas serem “suplementares”. Tal termo significa algo
que é adicionado para preencher ou completar uma deficiência. Em outras
palavras, estas profissões, incluindo a Fisioterapia, estão suprindo uma deficiência
que a Medicina sozinha não pode suprir”.
E
finaliza:
“Caso seu governo desejar, posso e teria
prazer em fornecer a Sra. ou ao seu Sr. Ministro da Saúde, exemplos e
confirmação adicionais que esta carta só tocou resumidamente[...]”
É lamentável que os brasileiros,
vinte e nove anos depois, não tenham atingindo ainda o patamar em que se
encontravam os ingleses em 1980, muito bem resolvidos e conscientes quanto aos
seus papéis como profissionais de saúde. Resta-nos, portanto, nestes sombrios
primeiros anos do século XXI - “em que o
mundo apresenta novas configurações, necessitando de novos saberes para que se
possa interpretá-los” - reforçar a auto-estima da classe, enfatizando: Os
Fisioterapeutas são herdeiros legítimos do deus Esculápio e beneficiários
diretos do conhecimento científico universalmente acumulado.
No porvir, grande parte envelhecida
da humanidade estará aguardando esse conhecimento acumulado para ser cuidada e
adequadamente tratada.
Fonte: Barbosa,Geraldo. Herdeiros de Esculápio –
História e organização profissional da Fisioterapia. Recife: Edição do Autor, 2009.